O Inventalínguas
Roland Barthes, numa das suas magistrais aulas (essa, especificamente, chamou de Leçon), comenta sobre a língua como prisão. Ele diz que ao nascermos as coisas já tem nomes. Não somos nós, neófitos na língua, que batizamos os objetos ou os sentimentos. Objetos talvez tenham sido mais fáceis de nomear. Mas sentimentos? Estes são tão difíceis que até hoje muita gente discute suas semânticas. São capazes de dizer: “amor pra mim é isso, paixão pra mim é aquilo”. Não há uma ideia precisa do que chamamos o que sentimos, ao contrário das coisas. Mesa é mesa, cadeira é cadeira, estão lá, associados, unha e carne. Se alguém disse: coloque a maçã sobre a mesa, pouca dúvida haverá sobre a ordem. Porém, se disser eu amo fulana” será possível ser coberto de questões do tipo: “mas é amor de verdade?”, “que tipo de amor”?
Em algum instante do mundo, como no próprio primeiro instante, alguém teve a felicidade de dar nome às coisas. O sujeito estava lá, olhando pro céu e pensou: céu. Dali por diante, todos sabem que céu é aquilo. O único lugar, segundo Barthes, onde é possível trapacear essa prisão, é na literatura. Podemos chamar mesa de “plunt” e o leitor que goste ou não. Literatura não é agrado, a literatura não existe para explicar, a literatura não é jornalismo nem tese, nem ensaio. A literatura é lugar onde podemos mandar às favas os acordos ortográficos feitos nos gabinetes. Se o povo é o inventalíngua, como disse o poeta Maiakovski, por que não ouviram a voz das ruas para dar sentido à nova ortografia? Se apenas 11% dos brasileiros sabem ler e compreender o que estão lendo, e ainda assim numa confusão ortográfica que vai do poético ao risível, o que será agora? Levamos anos brigando com os hífens, os acentos, as crases, e agora teremos que reaprender a língua?
Melhor é voltar à literatura, fazer como João Ubaldo e Saramago que se julgaram velhos para reaprender a escrever. Do mesmo modo, na literatura, trapacearei a língua e continuarei a colocar as tremas e o acento na palavra ideia. Infeliz do sujeito que ideia tirou-lhe o traço que dá plasticidade a uma coisa tão sem valor ultimamente: as ideias. Portugueses, brasileiros, chineses, caboverdianos, timorenses, moçambicanos, angolanos continuarão com seus modos de falar, por sorte, porque se alguma coisa ainda me comove nesse mundo é justamente a diversidade.
Diário Catarinense, 24 de janeiro de 2009
3 comentários:
Primeiro, meu grande, atrasado, mas não esquecido, beijo d niver d ontem.V, nesse texto, tá trapaceando sua propria trapaça: não colocou os agudos em "ideia". Eu,inventando como nosso espetacular Guimarães Rosa,digo o q sinto, p v, nessa neopalavra: amorzade. E olha q é bem grande!!!Beijo muito maior do q v, Fabinho!
muito bem escrito e na lata! adorei Fabio! e compartilho contigo ;)
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Sebastião Santos.
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