14 de fevereiro de 2009

Existirá aquela araucária? Quem cortou e colou a fotografia? Aquele durex: que mãos?


Mil palavras

Apesar da frase feita avisar que uma imagem vale por mil palavras, as duas linguagens são tão distintas, que uma não substituirá a outra, tanto em seu significante (o óbvio) quanto no seu significado. Para a sustentação da tese de que uma imagem vale por mil palavras é preciso usar de palavra. De que maneira, com imagem, conseguiríamos? Mesmo que alguém, ao mostrar uma imagem, implicitamente queria dizer que não necessita de palavras, ela ainda terá tanta conotação, que será bem difícil o receptor da mensagem entender o que ela queria ou quis dizer.

Por que necessitamos tanto reter uma imagem num papel, numa tela, na parede da casa? Mesmo antes da invenção da fotografia, desde os primeiros rabiscos pré-históricos, sempre houve gente querendo “fixar” a realidade de algum modo. Mas a realidade é “infixável”, porque a própria fixidez é momentânea, disse Octávio Paz.

Talvez seja por isto que a arte (principalmente esta que quer ser fixada, a imagem), tenha tanta importância no imaginário coletivo. Ela não é vida, mas é um sinal dela, evidência, pegada, vestígio de que existiu alguma coisa, um objeto, uma pessoa, uma montanha ou uma araucária e, o mais importante, o de que alguém idealizou e deu forma àquele objeto a que chamamos imagem. Ela é tão complexa que mesmo “fixa” podemos ver seu movimento.

O que nos leva a desejar o que não nos pertence? Por que quero saber o que não está impresso na fotografia? As frases das meninas correndo numa hora feliz, o banco de ferro onde o casal sentou em Barcelona na foto de Robert Capa, a blusa de lã listrada na única fotografia tirada naquela sacada, o rosto escondido atrás dos braços e o pescoço visto de lado e mal iluminado. O que pensava? O que sentia enquanto sorria para a fotografia? Por que parece tão múltipla e tão inexistente ao mesmo tempo?

A vida é assim mesmo, como disse Roland Barthes, feita a golpes de pequenas solidões. Talvez por isso eu carregue esta impressão (em ambos os sentidos) de que me restou apenas uma fotografia. Quem sabe nela resida este vestígio de mil palavras que um dia significaram “sim”, mas que a imagem hoje insiste em me dizer “não”.

Diário Catarinense, 14 de fevereiro de 2009.

4 comentários:

Anônimo disse...

Mas de todas as mil palavras, algumas me restaram na memória que não as esqueci:

mulheres dias violão

melhores dias virão

Karl

Anônimo disse...

existirá a dor pontual, a picada que sinto nessa foto de pessoas que nunca vi?

Anônimo disse...

O curto tempo que resta é o maior indicio de solidão, quanto mais consciência, menos permanência.
O inefável resgata a sensibilidade perdida do corpo que cai, quando o outono resseca os talos. Verdejantes folhas, já não existem...
Nos perdemos, para sermos achados. Porém quem nunca é achado, perde-se no temor da esperança, que avança feito fantasma, dos empoeirados quadros da existência comum.

Valeu a filosofia, um abraço incosciente da tchurma de Tijucas!
C.T.

Anônimo disse...

uau, Fábio, tu foste demais e com tanta leveza conseguiste dizer, expor, pontuar e com arte num assunto que a princípio seria tão óbvio e chega ao mistério. gosto muito de ser guiado nestas tuas letras ;)
abração, do Chris

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