Crítica e público
Existe uma diferença sempre latente entre o gosto geral, do público (mesmo que não saibamos definir bem o que seja “público”, pela sua heterogeneidade) e da crítica (igualmente). Ainda assim, é comum, principalmente em festivais de música, dança ou cinema, o voto popular ser diferente do voto da crítica.
Do mesmo modo que não dá para generalizar o gosto do que chamamos de “público”, existe um gosto médio, de uma maioria. Ele é formado pela comunicação de massa, principalmente a televisão. Se a Ivete Sangalo aparece todos os finais de semana na tevê, por que a maioria que a assiste gostaria de ouvir música melhor? Ninguém pode gostar do que não conhece.
O problema da formação do gosto, e por isto a máxima de que o gosto não se discute não tem sentido, é que alguém só pode gostar de algo se primeiro conhecer, e, em segundo lugar, gostar do que é consenso. Afinal, poucos gostam de se sentir sós, inclusive na divisão do gosto.
Os meios de comunicação de massa não fazem a menor questão de que a maioria das pessoas tenha uma boa formação intelectual ou cultural. A tendência, seja nas rádios, seja nas tevês, nas revistas, nas livrarias, é ter cada vez mais do mesmo. E esta tendência é que faz com que o público se distancie da crítica, porque o crítico procura, garimpa, vai ouvir o que não toca na rádio, o lado B, como se dizia na época do vinil. E por isto sua formação é diferente. Mas é óbvio que mesmo críticos, por sorte, divergem também, e muito.
Outro dia vi no Youtube um debate entre os escritores, já mortos, Nelson Rodrigues e Otto Lara Resende. (veja aqui: parte um, parte dois, parte três) O programa durou pelo menos meia hora, foi exibido num canal aberto, na Rede Globo, e era uma conversa franca, sobre vários assuntos. Hoje, este debate não levaria um minuto, só seria exibido num canal fechado, ou seja, passaria ao largo do suposto “gosto da maioria”. É óbvio, portanto, que a formação do gosto só pode ser ruim, porque se em algum momento da história Nelson Rodrigues e Otto Lara debatiam francamente, e hoje quem debate são uns debiloides num aparente show-realidade, com uma audiência fantástica, o que podemos esperar do gosto público? Pelo jeito nada. A não ser que a tendência de se distanciar do gosto da crítica seja cada vez maior, infelizmente.
4 comentários:
oiii. tbm acho que o mal gosto impera, e que a culpa é do Bial, rs. ; )
Talvez a questão que envolve o exemplo da Ivete Sangalo (diga-se de passagem, um exemplo perigoso porque ela representa um ritmo regional, por pior que isso pareça) seria: por que alguém poderia gostar de outra coisa se ela é tão linda, tão vívida e tão amada por todos (é assim que ela aparece). Quem sou eu para não amá-la, para não querer ser como ela? E isso leva o debate para outra questão: Por que precisamos de ídolos?? Por que as pessoas precisam de ídolos? Desde muito antes do Bezerro de Ouro já era assim. E desde aquela época os produtores de ídolos vendiam esse serviço. E desde aquela época o bezerro não passava de uma escultura e Ivete, hoje, não passa de uma pessoa.
Na época da entrevista citada não havia o canal fechado e o imenso divisor de águas entre os produtos para o público A e B e os dirigidos para o resto da plebe não estava delineado. E vamos falar a verdade, até hoje teria lugar para Nelson Rodrigues em qualquer programa que ele escolhesse para aparecer depois de ter passado quinze dias em coma, mais quinze a beira da morte e ainda ter se despedido da vida por meio da imprensa, publicamente.
Parece que continuas aquele menino de suspensórios e botinas, parado na porta da igreja numa cidade do interior, ingênuo.
e eu aquela guria de chiquinha no cabelo e meia 3/4 porque também esperaria mais e melhores opções de nossas mídias. Adoro a Ivetona, mas adoraria que minha vizinha ignorante pudesse sequer ter a oportunidade de ouvir um La Boheme da mesma maneira e aí sim pudesse optar. Fazer o quê né? Fiquemos como estemos e pronto, nem falemos.
como sempre ótima reflexão, sucinta e esclarecedora, um forte abraço, Christiano
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