A gênese do meu ceticismo
A primeira vez que vi um televisor eu tinha sete anos. E a coisa não era das mais interessantes. A tevê já nasceu chata. Lembro muito bem (e nem tinha comerciais) que a imagem era quase fixa, em preto e branco, e um cara com voz de pato falava uma língua que eu nem sabia da existência. A minha avó explicou, não sem ter sua própria dúvida, que era o homem pousando na lua. Olhei para a lua, mas não havia homem nenhum. Nascia ali a dúvida, baseada no fato de que só existe aquilo que posso ver. Devo à minha avó a gênese do meu ceticismo. Duvido, por conta disso, até mesmo da minha própria existência, e a cada vez que entro numa aeronave (pra imitar o bom mocismo das tripulações) duvido que vá levantar voo. E no entanto, ela sobe.
A dúvida, essa que faz a gente coçar a cabeça e fazer cara de retorcido, é talvez o nosso maior patrimônio individual. A dúvida é o que nos faz únicos, mais até do que nossas impressões digitais, porque não está exposta, não se perpetua, ela é mutável, mutante. A dúvida existe até o momento em que uma única pergunta é respondida. A fé não admite perguntas.
O mais intrigante da dúvida é que as coisas acontecem independentemente das crenças ou descrenças. Não adiantam todos os argumentos a favor ou contra a ideia de Deus, por exemplo. É possível crer no terreno do vago, pois até mesmo o mais brilhante argumento pela crença é abstrato, como defende Santo Agostinho: “Creio porque é absurdo”. Do mesmo modo, a dúvida também. Nestas comemorações dos 40 anos da suposta (sentiram o ceticismo?) viagem à lua, existem várias evidências de que o fato aconteceu. Mas também são inúmeras as dúvidas suscitadas pelas próprias evidências, no caso as fotos, os filmes, e aquela geringonça chamada módulo lunar, que nem precisou, para voltar à terra, de toda a parafernália que usou para ir à lua. Como? Não sei.
Só existe invenção onde há dúvida. Entre o ceticismo pueril do garoto de sete anos, e o ceticismo adulto de 40 anos depois, pouca coisa mudou no mundo das ideias. E em se tratando de publicidade, duvidar é sempre mais interessante do que crer. A frase de Santo Agostinho serve também pelo seu oposto. Se posso crer porque é absurdo, por que não posso duvidar pelo mesmo motivo?
4 comentários:
adorei!!!
vai pra posição de favorito dentre os teus textos.
beijoca!
fascinante. e eu que me lembro da minha própria avó, também duvidosa, e eu que me recordo que agora há pouco, nunca mais colocaram os pés na lua...? ou colocaram e não vimos com tanta tecnologia a se ver!
A dúvida, certamente, é um absurdo mais delicioso que a crença... ;)
contínuo leitor.
Fábio,
quem desconfia fica sábio.
(guimarães rosa)
Sábio,
quem desconfia fica fábio.
(vini)
abração, mano véio!
mas é claro!
adorei!
um abraço.
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