O poeta que dava porrada
O filósofo Platão, na sua república ideal, expulsaria os poetas, porque, para ele, seriam um mal à sociedade. Ainda tem muita gente que paga esse tributo ao filósofo grego. Poetas, como disse o próprio Freud, estão sempre à frente de seu tempo, principalmente porque têm a pretensão de transformar a vida em linguagem. Mas isto não interessa mais a ninguém em tempos onde a linguagem é quase mínima. A ideia da ordem, da república, das coisas todas em seu lugar preestabelecido mataram a arte poética faz algum tempo já. Talvez seja redundante dizer isso, mas a estupidez brilha nas redes de tevê, com idiotas dentro de uma casa se fazendo de herói. Mas o pior é a crença quase absoluta de que os confinados são mesmo heróis. Platão sabia que idiotas não fazem mal a nenhuma república.
Arthur Cravan não foi apenas mais um poeta maldito. Mais do que transformar sua vida em linguagem, ele também dava e recebia porrada. Cravan foi boxeador e editor da Maintenant, que, segundo alguns críticos, foi a precursora do surrealimo e do dadaísmo. Ele assinava todos os textos, críticos e poéticos, mas como nomes diferentes. Cravan nasceu na Suíça em 1887 e supostamente desapareceu no México, em 1918. Esse “suposto” desaparecimento fica por conta de que algumas pessoas disseram tê-lo visto por Paris, a mesma onde ele lutou várias vezes, sob outro pseudônimo, Dorian Hope.
Cravan se dizia sobrinho de Oscar Wilde. A Maintenant, nas suas únicas quatro edições, atirava para todo lado, mas sempre idolatrava o autor de O retrato de Dorian Gray. Seria Dorian Hope uma homenagem ao tio? Elogiado por Marcel Duchamp, Francis Picabia, André Breton e muitos outros revolucionários da época, Cravan, cujo nome verdadeiro era Fabian Avenarius Lloyd, não estava nem aí. Queria dançar, boxear e escrever versos para mudar o mundo. Não se contentava em apenas escrever. Dava conferências, queria recitar nas ruas, nas escolas e durante as lutas de boxe. Os cartazes de suas apresentações anunciavam um espetáculo de “dança, luta e poesia”, uma mistura nada platônica.
Lembrei de Cravan por causa de um de seus poemas: “Eu queria estar em Viena e em Calcutá, / tomar todos os trens e todos os navios / Eu sou todas as coisas, todos os homens / e todos os animais. / Quisera poder deixar / Minha funesta pluralidade!”. Para mim, ele deixou.
2 comentários:
a propósito:
http://guerrasantos.multiply.com/journal/item/310
queria ajudar a contribuir com alguma opinião, mas estou muito alheio; mais próximo apenas do nome Wilde pelo seu «The happy Prince» - em português, claro; mas ignorante de «O retrato de Dorian Gray». e longe, longe do poeta boxeador - mas o poema dele é deverasmente grande!
abraço e ótima semana,
maloio
ps.: um brinde a Leminski, Quintana, Drummond, Gullar...
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