7 de fevereiro de 2009


Alguns motivos para amar Desterro

O pôr-do-sol em Santo Antônio de Lisboa, na calçada onde supostamente a princesa Isabel passou, levantando o vestido comprido, da escadinha de onde observávamos a vida passar, eu, mais Joca, mais Chico, mais Fifo.

Aquela árvore na Beira-Mar, quase em frente à Polícia Federal, e as prováveis baleias que nunca vi.

As infinitas vistas que tenho da janela lateral. Ainda que o Morro do Céu pareça sempre o mesmo, as cores transmutam a paisagem a cada segundo. Minha janela é meu filme.

Porque tenho um milhão de amigos, e pela certeza de que sempre encontrarei alguém com quem conversar na rua, a qualquer hora.

A prainha à direita da Praia do Forte, porque aquela da esquerda é frequentada por pessoas que colocam o carro na areia e abrem o porta-malas com o som mais cafona possível. Penso: por que os que ouvem música alta não tocam Chet Baker? A cafonice é proporcional à ignorância e à violência.

A cabeceira insular da Ponte e aquela pracinha art-dèco preservada no seu tempo, no seu próprio abandono.

O aterro da Baía Sul, com seu garajão de ônibus, seus camelódromos, suas esquizofrênicas arquiteturas, seu merdário que chega a ser poético pela sua patética existência, e porque é uma prova de que os políticos e construtores decididamente odeiam a cidade.

As fotografias dos anos 50, porque provam que um dia houve Desterro.

A memória do Lugar Comum, minha melhor formação.

O silêncio do Centro nos feriados e domingos, e os sabiás que insistem em entrar pela janela lateral.

As mulheres mais bonitas do mundo, em quantidade, variedade, e porque elas andam de ônibus, trabalham nos caixas de supermercados, nos balcões das lojas, na feira, e mandam beijos suaves e azuis.

A indisfarçável breguice que seus habitantes encarnam.

Passar sob a Ponte Hercílio Luz, na parte continental, e imaginar quais histórias guardam aquele casarão quase caindo.

Ver uma ponte da outra e imaginar que, apesar de não parecer, vivo numa ilha.

O camarão à milanesa no canal da Barra; os livros usados do Lima na frente da Catedral; a beleza oculta dos pretos; a igreja da Nossa Senhora do Rosário; a livraria do Daniel; a comida honesta do Alcindo e o simpático mau-humor do Beto; a dobradinha do bar do Paulinho, onde encontro o Olsen todas as quartas-feiras; os que frequentam o Blues Velvet.

A certeza de que cada um dos meus 10 leitores terá sua lista íntima e pessoal da sua Desterro.


Diário Catarinense, 7 de fevereiro de 2009

11 comentários:

bido disse...

Sábio Brüggemann;
Li outro dia que a Luna denunciou você: O Fábio Chora! Fiquei emocionado agora ao essa crônica. Você mesmo é um dos motivos a acrescentar nessa lista, pra quem vive em outras paragens. Pra quem faz um esforço pra esquecer a ignorância e a violência não expressa em vermelho.
Um grande abraço
Bido

Anônimo disse...

lindo texto fábio, parei pra pensar uma lista minha.

Felipe Lenhart disse...

Muito bom, Fábio.
Muito bom mesmo.
Parabéns.
Um abraço

Juliana Bassetti disse...

Olha, a dobradinha, eu passo!

Anônimo disse...

Como nosso querido Bido disse aí, eu acrescento v, meu maravilhoso e multimídia amigo na minha lista.Nossa Desterro seria pobre,burra, sem graça e chatérrima sem v, Sábio!
Mais:os espetáculos d lua cheia junto a lindamente iluminada Igrejinha da Lagoa q assisto d minha varanda.
A beleza na chegada ao topo do Morro da Lagoa sempre q chego d trabalho transformando meu cansaço em vontade d chorar e rir ao mesmo tempo.
Os banhos no mar mais lindo e gelado da Mole.
Os saudosos amigos(muitos ainda presentes), sopas e jazz do Lugar Comum, tb minha melhor (de) formação.
Beijo-te.

Anônimo disse...

As cinzas do velho leão retornam à prosa casta.

Karl

Anônimo disse...

O clássico mais famoso e importante de Santa Catarina (Avaí e Figueirense) e os manezinhos falando "não tem?".
O Lugar Comum foi onde eu descobri a "night" de Floripa. E você foi o responsável, eu diria até irresponsável, por levar uma criança de 8 anos, hahahaha...

Anônimo disse...

És mui precioso lo saudosismo: Apenas nele encontramos o lugar comum de nosso pensamentos.

La vita és una revision de valores...

E daí, perdemos ou ganhamos com esta gringalhada?
Arrevederti, Ô do cachimbo.

Priscila Lopes disse...

"Arrombasse" com esse post, Fabio. Abraços!

Adriane Canan disse...

Eu gosto bastante daquela árvore da Beira-Mar. E de outras tantas coisas...

tatiana cobbett disse...

oi querido
que lindesa!!!
suave...contundente...uma saudade cheia de alegria...de vida...iça!!!
vou sonholar as minhas querências e janelas....valeu!!
beijares de criola

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