Alguns motivos para amar Desterro
O pôr-do-sol em Santo Antônio de Lisboa, na calçada onde supostamente a princesa Isabel passou, levantando o vestido comprido, da escadinha de onde observávamos a vida passar, eu, mais Joca, mais Chico, mais Fifo.
Aquela árvore na Beira-Mar, quase em frente à Polícia Federal, e as prováveis baleias que nunca vi.
As infinitas vistas que tenho da janela lateral. Ainda que o Morro do Céu pareça sempre o mesmo, as cores transmutam a paisagem a cada segundo. Minha janela é meu filme.
Porque tenho um milhão de amigos, e pela certeza de que sempre encontrarei alguém com quem conversar na rua, a qualquer hora.
A prainha à direita da Praia do Forte, porque aquela da esquerda é frequentada por pessoas que colocam o carro na areia e abrem o porta-malas com o som mais cafona possível. Penso: por que os que ouvem música alta não tocam Chet Baker? A cafonice é proporcional à ignorância e à violência.
A cabeceira insular da Ponte e aquela pracinha art-dèco preservada no seu tempo, no seu próprio abandono.
O aterro da Baía Sul, com seu garajão de ônibus, seus camelódromos, suas esquizofrênicas arquiteturas, seu merdário que chega a ser poético pela sua patética existência, e porque é uma prova de que os políticos e construtores decididamente odeiam a cidade.
As fotografias dos anos 50, porque provam que um dia houve Desterro.
A memória do Lugar Comum, minha melhor formação.
O silêncio do Centro nos feriados e domingos, e os sabiás que insistem em entrar pela janela lateral.
As mulheres mais bonitas do mundo, em quantidade, variedade, e porque elas andam de ônibus, trabalham nos caixas de supermercados, nos balcões das lojas, na feira, e mandam beijos suaves e azuis.
A indisfarçável breguice que seus habitantes encarnam.
Passar sob a Ponte Hercílio Luz, na parte continental, e imaginar quais histórias guardam aquele casarão quase caindo.
Ver uma ponte da outra e imaginar que, apesar de não parecer, vivo numa ilha.
O camarão à milanesa no canal da Barra; os livros usados do Lima na frente da Catedral; a beleza oculta dos pretos; a igreja da Nossa Senhora do Rosário; a livraria do Daniel; a comida honesta do Alcindo e o simpático mau-humor do Beto; a dobradinha do bar do Paulinho, onde encontro o Olsen todas as quartas-feiras; os que frequentam o Blues Velvet.
A certeza de que cada um dos meus 10 leitores terá sua lista íntima e pessoal da sua Desterro.
Diário Catarinense, 7 de fevereiro de 2009
11 comentários:
Sábio Brüggemann;
Li outro dia que a Luna denunciou você: O Fábio Chora! Fiquei emocionado agora ao essa crônica. Você mesmo é um dos motivos a acrescentar nessa lista, pra quem vive em outras paragens. Pra quem faz um esforço pra esquecer a ignorância e a violência não expressa em vermelho.
Um grande abraço
Bido
lindo texto fábio, parei pra pensar uma lista minha.
Muito bom, Fábio.
Muito bom mesmo.
Parabéns.
Um abraço
Olha, a dobradinha, eu passo!
Como nosso querido Bido disse aí, eu acrescento v, meu maravilhoso e multimídia amigo na minha lista.Nossa Desterro seria pobre,burra, sem graça e chatérrima sem v, Sábio!
Mais:os espetáculos d lua cheia junto a lindamente iluminada Igrejinha da Lagoa q assisto d minha varanda.
A beleza na chegada ao topo do Morro da Lagoa sempre q chego d trabalho transformando meu cansaço em vontade d chorar e rir ao mesmo tempo.
Os banhos no mar mais lindo e gelado da Mole.
Os saudosos amigos(muitos ainda presentes), sopas e jazz do Lugar Comum, tb minha melhor (de) formação.
Beijo-te.
As cinzas do velho leão retornam à prosa casta.
Karl
O clássico mais famoso e importante de Santa Catarina (Avaí e Figueirense) e os manezinhos falando "não tem?".
O Lugar Comum foi onde eu descobri a "night" de Floripa. E você foi o responsável, eu diria até irresponsável, por levar uma criança de 8 anos, hahahaha...
Zé
És mui precioso lo saudosismo: Apenas nele encontramos o lugar comum de nosso pensamentos.
La vita és una revision de valores...
E daí, perdemos ou ganhamos com esta gringalhada?
Arrevederti, Ô do cachimbo.
"Arrombasse" com esse post, Fabio. Abraços!
Eu gosto bastante daquela árvore da Beira-Mar. E de outras tantas coisas...
oi querido
que lindesa!!!
suave...contundente...uma saudade cheia de alegria...de vida...iça!!!
vou sonholar as minhas querências e janelas....valeu!!
beijares de criola
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